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Tese foca uso racional de água na agricultura

A agricultura irrigada tem sido apontada como uma das grandes vilãs do desperdício de água no Brasil. O manejo inadequado por parte de agricultores tem levado ao consumo exagerado desse recurso natural. Não por outra razão, alguns estados, entre eles São Paulo, criaram nos últimos anos legislações impondo a cobrança pelo uso da água na irrigação, bem como em outras atividades produtivas, como forma de combater abusos. Pesquisa desenvolvida para a tese de doutoramento de Márcio William Roque, apresentada na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, traz novas contribuições para o aproveitamento racional da água na agricultura. Ainda como conseqüência do estudo, o pesquisador desenvolveu o protótipo de um equipamento que monitora a umidade do solo, cujos similares comerciais são importados e têm preços elevados.

Manejo inadequado gera consumo exagerado



O estudo realizado por Márcio, que contou com a orientação do professor Edson Eiji Matsura, está no contexto do que os especialistas classificam de agricultura de precisão. Como o nome sugere, a técnica consiste no desenvolvimento de métodos e tecnologias que assegurem maior exatidão às atividades do setor. No caso do trabalho executado pelo engenheiro agrícola, o objetivo foi avaliar a dependência espacial dos atributos físico-hídricos do solo e verificar que relações estes têm com o nível de produtividade. A cultura escolhida pelo autor da tese foi o feijão. "Optei por esse grão porque, além de ser bastante estudado, ele tem uma grande importância na dieta do brasileiro", explica.
Equipamento utilizado para estimativa da umidade em campo e avaliação da uniformidade de distribuição de água no solo O feijão tomado para estudo foi semeado no campo experimental da Feagri, como cultura de inverno, durante as safras de 2005 e 2006. A área cultivada foi dividida em quatro parcelas, cada uma medindo 20 x 30 metros. O plantio foi realizado sob os sistemas direto irrigado e não-irrigado e convencional irrigado e não-irrigado. A estimativa do conteúdo de água e a amostragem do solo foram realizadas em uma malha amostral com 60 pontos por parcela, espaçadas de três em três metros. Ou seja, ao todo foram definidos 240 pontos amostrais. O passo seguinte foi aplicar a técnica chamada Reflectometria no Domínio do Tempo (TDR, na sigla em inglês), para monitorar a umidade no solo nos pontos definidos.
Como as sondas do equipamento de TDR são importadas e caras, o engenheiro agrícola decidiu desenvolver dispositivos similares que servissem às suas necessidades. Para isso, ele teve que se valer tanto de conhecimento quanto de criatividade. A finalidade era chegar a um protótipo que tivesse baixo custo e pudesse, numa etapa posterior, vir a ser produzido em larga escala, de modo a tornar-se acessível aos agricultores. "Nós construímos as sondas a partir de fôrmas de silicone. O primeiro modelo não ficou bom, pois apresentava vazamento. Depois de alguns aperfeiçoamentos, chegamos a um modelo melhor, que serviu muito bem aos testes de campo", conta Márcio.

O pesquisador Márcio William Roque, autor do estudo: conhecimento e criatividade para desenvolver dispositivo Segundo ele, o método de construção mostrou-se operacional, uma vez que permitiu a produção de um grande número de sondas (cerca de 300) num curto espaço de tempo. "Penso que as sondas são uma alternativa às similares importadas de alto custo?, analisa. O desafio seguinte do autor da tese foi calibrar adequadamente os dispositivos de medição. A partir de uma série de cálculos e equações específicas, o engenheiro agrícola determinou o melhor ajuste possível do equipamento. Márcio revela que foram realizadas diversas calibrações, tanto em laboratório quanto no campo, para tornar as medições cada vez mais precisas. ?Uma das conclusões a que chegamos foi que a curva de calibração sugerida pela literatura não se aplica ao solo estudado. Já a curva ajustada mostrou que pode ser usada para fazer a estimativa da umidade do solo", afirma.
Por meio do acompanhamento apurado do nível de umidade do solo, esclarece Márcio, é possível usar a irrigação de modo mais racional, contribuindo assim para a redução do desperdício de água. Além disso, prossegue o engenheiro agrícola, o uso excessivo de água na agricultura pode interferir no desempenho da safra e até mesmo elevar os custos de produção. "Quando se usa água demais, aumenta-se o gasto com energia elétrica, visto que é preciso usar bombas para retirar o recurso dos rios e córregos. Além disso, a água em excesso, além de contribuir para a erosão do solo, tende a arrastar fertilizantes e defensivos agrícolas, ocasionado prejuízos aos agricultores. Uma segunda conseqüência desse problema é a contaminação do lençol freático e de cursos naturais d?água", adverte o pesquisador.

Cobrança gera recursos para preservação de mananciais



A cobrança pelo uso da água foi instituída no Brasil pela lei federal 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Em São Paulo, legislação semelhante passou a vigorar em janeiro de 2006. O objetivo da medida é estimular o uso racional da água, bem como gerar recursos financeiros para investimentos em projetos de recuperação e preservação dos mananciais que compõem as bacias hidrográficas. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), órgão encarregado de implementar a política nacional de recursos hídricos, a cobrança não é um imposto, "mas um preço público fixado a partir de um pacto entre os usuários de água, sociedade civil e poder público no âmbito do Comitê de Bacia". Em outras palavras, em razão da sua crescente escassez, a água deixou de ser um bem de uso livre para se transformar num bem de valor econômico. As bacias hidrográficas do rio Paraíba do Sul (SP, RJ e MG) e dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (SP e MG) foram as primeiras a adotar tal instrumento.

Perguntas e respostas

O que é a cobrança pelo uso da água?
A cobrança é um dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos instituídos pela Lei 9.433/97, que tem como objetivo estimular o uso racional da água e gerar recursos financeiros para investimentos na recuperação e preservação dos mananciais das bacias. A cobrança não é um imposto, mas um preço público fixado a partir de um pacto entre os usuários de água e o Comitê de Bacia, com o apoio técnico da ANA.

Por que cobrar pelo uso da água?
Em função de condições de escassez em quantidade e/ou qualidade, a água deixou de ser um bem livre e passou a ter valor econômico. Esse fato contribuiu para a adoção de um novo paradigma de gestão desse recurso, que compreende a utilização de instrumentos regulatórios e econômicos, como a cobrança pelo uso da água.

Quem cobra?
Compete à ANA operacionalizar a cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União, ou seja, dos rios ou demais cursos d?água que atravessam mais de um Estado da federação.

Para onde vão os recursos arrecadados?
Os recursos arrecadados são repassados integralmente pela ANA à Agência de Águas da Bacia, conforme determina a Lei 10.881, de 2004. Cabe à Agência de Água alcançar as metas previstas no contrato de gestão assinado com a ANA, instrumento pelo qual são transferidos os recursos arrecadados.

Quando se inicia a cobrança?
A cobrança em rios de domínio da União se inicia após a aprovação pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) dos mecanismos e valores de cobrança propostos pelos comitês de bacia hidrográfica.

Fonte: ANA