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Versátil e ecologicamente correto

Ele é conhecido como "amigo", "irmão", "ouro verde da floresta" e "presente dos Deuses" pelos asiáticos. Tem mais de 4 mil usos catalogados na China. É o principal elemento estrutural na construção civil na Colômbia e no Equador. Mas, no Brasil, o bambu ainda é encarado com desconfiança e é visto de forma pejorativa.

Por ser um elemento disponível na natureza, essa espécie de gramínea apresenta diversas vantagens para a sua aplicação. ?O bambu é utilizado na construção civil há milênios. Por isso, nesta época em que a sustentabilidade é uma questão de urgência, buscamos conhecer mais suas propriedades e resgatar suas aplicações - que vêm desde os tempos ancestrais - para saber construir com materiais naturais?, explica o arquiteto da Archidomus Arquitetura e do Instituto Ibiosfera, Edoardo Aranha.

Por ser uma material durável, tolerante a solos com baixa fertilidade, o bambu é a matéria-prima natural mais rapidamente produzida. "Ele apresenta uma das estruturas mais perfeitas da natureza, pois combina flexibilidade com leveza", concorda o professor da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade de Campinas (Unicamp), Antônio Ludovico Beraldo.

A versatilidade do bambu é tamanha, que ele pode ser usado para sombreamento, quebra-vento, proteção contra a erosão, abrigo da vida animal, tubo para condução de água, drenagem, divisórias, forros, esteiras e ainda possui inúmeras aplicações para decoração e artesanato. Mas, sem dúvida, uma das utilizações mais importantes para os brasileiros seria na construção de estruturas residenciais.

A utilização do bambu no lugar de estruturas convencionais poderia ser a solução para diminuir o déficit habitacional no Brasil - que hoje ultrapassa 8 milhões de famílias -, e baratearia consideravelmente o custo da construção de uma habitação popular. Além disso, o uso do bambu seria uma das alternativas para combater a poluição. "Cada tonelada de cimento fabricada emite 650 quilos de monóxido de carbono na atmosfera. Com o bambu, essa poluição não existiria", conta Aranha.

Mas, essa prática ainda está longe de ser uma realidade em nosso país."Hoje, essa aplicação do bambu ainda é tratada como modelo no Brasil. É preciso ampliar o uso e a oferta para baratear o custo do produto na construção de casas", adverte o arquiteto. "Para ser viável seu uso em larga escala, é necessário primeiro difundir a cultura e tirar esse preconceito com que os brasileiros tratam a planta e, depois criar um material didático para difundir as técnicas de utilização e ainda treinar a mão-de-obra. Deve demorar. Ainda estamos engatinhando", concorda Beraldo.

Para aprender e ensinar sobre as técnicas de utilização do bambu na construção civil, o arquiteto e o engenheiro viajaram até o Equador e a Colômbia - países com grande desenvolvimento nesse setor construtivo - e trouxeram os ensinamentos ao Brasil. Por meio da Organização Não Governamental (ONG) Instituição Ibiosfera, juntaram-se com outras pessoas preocupadas com alternativas de bioconstrução e começaram a desenvolver projetos nesses moldes.

"Primeiro, é preciso construir grandes obras com esse tipo de técnica para poder despertar o desejo das pessoas e, então, atingir toda a população", diz Aranha.

BAMBU TEM VANTAGENS SOBRE CONCRETO E AÇO

  • O bambu é uma matéria-prima disponível e renovável, de uso sustentável
  • Sua reprodução é rápida - pode ser cortado anualmente
  • É leve e flexível
  • Possui características de isolamento térmico e acústico
  • Peças curtas de bambu podem suportar tensões superiores a 50 MPa, enquanto o concreto usual apresenta um terço desse valor
  • O concreto apresenta densidade três vezes superior à do bambu
  • O módulo de elasticidade do bambu situa em torno de 20.000 MPa, cerca de um décimo do valor do aço
  • Cabos de bambus trançados oferecem resistência similar ao aço, e pesam apenas 10% do metal

Para prédios de até sete andares

Países como Colômbia e Equador já usam o bambu como estrutura de edifícios de médio porte


Uma construção com estrutura em bambu não se resume apenas à pequenas habitações. "Dá para fazer até sete pisos", garante o arquiteto da Archidomus Arquitetura e do Instituto Ibiosfera, Edoardo Aranha.

De acordo com o arquiteto, na Colômbia existem até construções feitas com bambu que possuem vãos livres de aproximadamente 30 metros. No Equador também existem grandes construções, como pontes, feitas com estrutura em bambu. "Ele tem grande potencial agregado à alta tecnologia e casa muito bem com diversos materiais", garante.

Além de ser utilizado para a estrutura, o bambu também pode ser usado para fazer o revestimento da construção. "Em outros países, eu vi casas de alto padrão feitas com o material. E ficam muito bonitas", lembra o professor Antônio Beraldo, da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp.

Mas, não é qualquer tipo de bambu que serve para a construção civil. O ideal é que a planta tenha acima de nove anos - idade necessária para atingir o tamanho e o amadurecimento ideais. Além disso, é preciso tratar o bambu para degradar o amido (parte branca interna) para evitar o surgimento de carunchos.

Esse tratamento pode ser feito mergulhando feixes de bambu em um lago por cerca de 15 dias - forma mais barata e rudimentar. Ou, então, tratar quimicamente com CCB (mistura de cromo, cobre e boro, vendida em lojas especializadas). O bambu deve ficar submerso na mistura de quatro a cinco dias.

Depois de tratado, o bambu pode ser utilizado para dar sustentação na estrutura de uma construção. Antes, porém, de se aventurar nesse mundo desconhecido para os brasileiros, é preciso procurar um profissional especializado nessa técnica para garantir que a obra seja segura. "Como todo material, o bambu tem um ponto frágil, que deve ser observado com cuidado", adverte Beraldo. Esse ?ponto fraco? é a ligação.

Por ser um material oco - que fica ainda mais oco depois do tratamento para a degradação do amido -, o bambu deve ser ligado um ao outro cuidadosamente, pois, utilizar pregos ou parafusos, como é feito com a madeira, pode rachar o produto. A dica de Beraldo é fazer a amarração com fibras vegetais ou cintas plásticas, se a obra for pequena. Outra opção é colocar pedaços de madeira dentro do bambu e, então, aparafusar. Já em obras grandes é preciso "rechear" o vão oco com argamassa e ferro.

Essa disposição dos profissionais da construção civil em promover a cultura da construção com bambu tem surtido efeito no país. Beraldo conta que desde o ano passado, os ministérios da Habitação e da Ciência e Tecnologia têm mostrado interesse em apoiar pesquisas para difundir o uso do material no Brasil. "Isso deve ocorrer em breve."


Jornal da Tarde - Grupo Estado

Charlise Morais.